segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Zumbi dos Palmares e o sentimento imaterial da liberdade!

 O nosso rei continua vivo

Estudar a história é antes de tudo conviver com fatos e opiniões diversas e de regra divergentes, assim não poderia deixar de ser o exame da contribuição de Zumbi dos Palmares e a sua existência enquanto personagem de um período de nossa construção histórica pouco registrada pela historiografia oficial do poder de Estado, seja em qualquer uma de suas fases: Colônia, Império e República.


Pacto ofensivo a dignidade humana

Na construção de nosso país, notadamente após a posse violenta dos portugueses do solo pátrio, aqui se estabeleceu um parâmetro ditado pelas regras dos interesses econômicos e da afirmação de um grupo étnico sobre outro, uma minoria branca pelas vias da força, da opressão e da complacência dos reinados e religiões  estabeleceram um  pacto ofensivo a dignidade humana, mas de natureza bastante lucrativa. A escravidão era assim fonte de renda e também de deleite. Tudo legitimado pela ordem institucionalizada pela minoria e aceita  sem maiores resistências dos detentores do poder, notadamente político e religioso.

Assim foi também no Brasil, a saída para colocar o país em movimento de consolidação do espaço territorial ocupado passava necessariamente pela presença humana, não só dos "conquistadores", mas também dos conquistados e oprimidos desterrados de outro continente, no caso o escolhido foi o africano. Considerando que naquele espaço territorial do continente era grande a população negra, de clima assemelhado e relativamente próximo ao calvário da exploração: O Brasil, que assim também seria explorada pelas elites portuguesas, decorrentes todos de um continente civilizado e branco, nada mais, nada menos que o referenciado Velho Mundo-a Europa, conhecida pela sua "culta e próspera" civilização.

A consolidação do domínio territorial já contou também com a participação efetiva dos negros e negras aqui aportados, que além do trabalho, produziram outros seres capazes de cimentar uma nação com características bem definidas e próprias de algo que seria e que passa a ser cobiça de um outro tipo, no limiar do século XXI.

A riqueza que foi sendo produzida, também criou sentimento aguçado de revoltas e desejos ardentes de liberdade. Não só as cicatrizes da violência física produzidas pelos chicotes dos feitores, mas a busca por espaço e vida em liberdade, moveu os negros na esperança de encontrar uma saída, mesmo que em forma de fuga capaz de demonstrar a insatisfação e a revolta com o modelo adotado pelas elites e abençoado pelas divindades imperantes do catolicismo romano.


Os negros no calvário da escravidão

Os negros na sua resistência, enfrentavam duas poderosas estruturas, o poder econômico da força política colonial, expressa nos senhores de engenho e a presença da igreja católica como braço da espiritualidade escravista das almas que penavam por liberdade.

O Deus dos Brancos, nesta circunstâncias não poderia ser o Deus dos Negros, uma minoria branca caminhava no sentido de legitimar o purgatório a que os negros estavam submetidos, sem Deus esta tarefa não tinha como se completar, só a divindade era capaz de apacentar almas tão sofridas pela exclusão e pela exploração física e mental.

Não é preciso nenhum laboratório para aquilatar a dor física dos negros açoitados, é perfeitamente compreensivo o seu retorcer e gemidos ao se encontrarem pendurados ao tronco, e solenemente violentados pela chibata do feitor no seu melhor estilo de truculência.


A dor da saudade

É possível, que não se tenha noção da dor da saudade, das lembranças e dos sonhos de viver em liberdade em sua terra natal, ao som do canto dos pássaros, dos ventos entrecortantes das matas e das águas que em forma de cachoeira desenhavam um véu branco  e comprido, como o vestido da noiva desejada que desliza nos paços longos e firmes do encontro da felicidade propiciada pelo encantamento do amor. Os negros tiveram a sua alma ferida, sem nenhuma possibilidade de cura. Por assim dizer, uma dor insuperável, sem qualquer possibilidade de saramento.

Macacos foi a cidade, o espaço rural em que aflorou a resistência e uma nova oportunidade de vida, aos que foram expatriados e subjugados, criteriosamente escolhida pelos seus idealizadores, considerando a sua geografia, o seu potencial hídrico e a fertilidade de suas terras. Com tais atributos, logo o novo espaço se transformou numa comunidade de novo tipo, integrada, produtiva e fundamentalmente cheia de vida e de esperança. Onde a taxa de natalidade, sempre crescente refletia o bem estar de sua população.


Um legado de Palmares: a agricultura familiar.

Foi neste ambiente em que a agricultura familiar pela primeira vez floresceu e apresentou resultados satisfatórios e condizentes com uma modalidade de vida em sociedade ainda não experimentada pelo regime colonial monocultor e concentrador de terras, originador da concentração da propriedade da terra e do latifúndio moderno, berço da violência campesina, ainda manifesta na República proclamada por Deodoro.

O Poder Colonial era demasiado arrogante e autoritário, não podia conviver com resquícios de liberdade, ou mesmo com qualquer iniciativa que enfrentasse ou contestasse a sua supremacia. Macacos era uma forma defensiva de se viver em paz, mas mesmo assim não seria tolerada, por ser considerado um mau exemplo, e acima de tudo um espaço de fuga e de acolhimento de objetos(negros) pertencentes aos poderosos de então.

Historicamente as classes dominantes só aceitam ou toleram conviver com situações que não lhes colocam em perigo, ou não oferecem qualquer perigo. Ao constatarem que podem perder o controle da situação e o poder de mando, qualquer método poderá ser utilizado como instrumento de enfrentamento dos desafios que os põe em ameaça.

A época de Palmares, o Poder Colonial contratou em regime de Parceria Público Privado(alguns pensam que é coisa da modernidade, coitados!) o competente carniceiro domingos Jorge Velho, para comandar uma  força armada e recrutada ao estilo das milícias da favela da Rocinha. A única diferença é que as forças de Domingos não obedeciam ao calendário da civilidade, pouco praticada naquela oportunidade de confronto.

Hoje, não teria dúvidas que o Poder Colonial contrataria e teria amplo apoio dos meios de comunicação dominantes, todos estariam a favor da escravidão e apresentado os mais diferentes argumentos que convergiam no sentido da manutenção da ordem repressora, assim como fizeram em outros momentos de nossa história.


Na Serra da Barriga, gestou-se a liberdade.

Temperados na luta, os negros da Serra da Barriga, fizeram de Palmares um referencial de resistência as atrocidades do Poder Colonial, tendo em Zumbi não somente um combatente, mas um líder preparado na escola do combate ao escravismo e do enfrentamento a continuidade da escravidão como instituição permanente da Colônia.

Em 1695, Zumbi contava apenas 40 anos, mas já era Rei, líder de um povo ansioso por liberdade, que enfrentava a escravidão e o seu regime com os meios e instrumentos da época, nas suas diversas formas de luta.

Quase dois séculos depois(193 anos), apenas em 1888, o instituto da escravidão sepultado, mas a putrefação decorrente de sua existência não. A escravidão fora derrotada, mas os detentores do poder não. Logo se transmutaram em republicanos, não por convicção, mas por repreensão ao Império, que julgaram benevolente com a edição da prefalada Lei Áurea. Tudo parece ser uma forma de vingança destinada ao Imperador enfermo e a uma princesa desavisada da consequência do ato que praticara sem mérito e sem convicção.


Uma luta antiga, mas atual.

A Consciência Negra consagrada neste 20 de novembro, nada mais é do que uma homenagem, um reconhecimento do papel protagonista de uma etnia negra comprometida com a liberdade, o direito de viver em paz, de produzir, de amar, de sonhar e de construir caminhos diferentes da opressão, firmados na dignidade humana e na prevalência do trabalho como meio vivente da espécie humana em interação com a natureza viva e em permanente mutação.

Por tudo, é possível e até mesmo previsível afirmar que Zumbi e seus guerreiros estariam todos postados e em pleno movimento pela construção de um novo país, uma nova pátria socialista, de plena liberdade e abundância, inclusive de vidas e de sonhos.

O Brasil que buscamos construir com Reforma Agrária, casa própria/cidades mais humanas, geração de emprego e renda, escola pública de qualidade, saúde universalizada e pública, soberania, integração colaborativa, sustentabilidade ambiental, segurança alimentar, respeito as individualidades em um mundo coletivo, prosperidade cultural e material, valorização da espiritualidade e do bem querer.


Nossas homenagens as mulheres e homens, negros e negras, brancos, taiocas, pardos amarelos, ruivos, gazos, furta cor e tantos outros inominados, incolores e invisíveis que com o trabalho, a luta, a generosidade, o suor e o sangue derramado construíram esta beleza de nação chamada Brasil.


Zumbi está presente. Continuará vivo em nossas memórias!


Á luta!

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